O dia começa e eu ainda sinto os efeitos colaterais da noite
passada, vomito olhos roxos, dor de cabeça...
Minha rotina era constituída basicamente por bebidas,
cigarros e machucados pelo corpo. No final de cada dia, sentava em uma mesa na
sala, e escrevia o que vinha à cabeça, textos, poemas, frases. Tudo isso
referente ao que eu tinha feito no dia.
Era difícil para mim se impor as normas da sociedade, e suas
características obrigatórias.
Nas horas livres da manha, tomava uma xícara de café bem
quente, e fumava um cigarro bem falso. Aquela sensação de que meu corpo estava
sendo destruído por algum ácido era prazerosa.
As músicas podiam expressar meus sentimentos, antes de
escrever colocava o fone de ouvido no máximo, e deixava a musica despertar o
meu outro eu, o meu eu leitor, o meu eu escritor, o meu eu psicopata.
Escrever era como uma terapia, um remédio controlado para a
solidão, e eu precisava fazer aquilo todos os dias.
Ao final de cada folha rabiscada, ia para o banho, ficava
horas em baixo do chuveiro. Lá, podia imaginar o mundo da minha maneira.
Gostava de poder me observar no espelho do banheiro. Gostava
da sensação de ter outra pessoa dentro de mim, querendo sair, e destruir as
coisas. Mas antes, me destruía ,fazia com que eu fosse refém da vida, um
prisioneiro da realidade.
Fazia marcas horizontais com uma lamina em meu braço
esquerdo. De alguma forma, gostava da ideia de obter insanidade da dor. Ficava
mais ausente a sentimentos.
Fazia o almoço as 10h30min, almoçava na cama, enquanto
assistia filmes de ação. E então, as 14h00min, chegava ao trabalho.
Trabalhava como entregador de panfletos, para uma empresa de
investidores de futuro. Entregava um papel branco, com bordas pretas, escrito,
“Aqui seu futuro, tem futuro”. A empresa dava auxilio para as pessoas entrarem
em uma faculdade.
Quem é que vai gostar de um emprego desses? Você tem que
ficar em pé até as 19h00min, sendo rejeitado, e muitas das vezes tendo que
aturar xingamentos.
O único lado bom disso tudo, é que eu poderia observar as
pessoas em diversas situações, e por fim, poderia obter as características de
cada uma.
O resultado de 1 ano de trabalho foi surpreendente, pude
aprender muitas coisas sobre as pessoas, era como ler mentes.
A vida é como uma folha caindo de uma arvore, pode demorar
mais para chegar ao chão, dependendo da velocidade do vento. Se você faz uma
coisa que gosta, o tempo irá passar mais rápido. E se você faz uma coisa que
não gosta, o tempo irá passar devagar, faz você ficar ansioso, irritado, e
deixa sua mente mais bagunçada do que já é. Para aliviar tudo isso, ia a bares
pela cidade.
Dias e dias bebendo depois do trabalho, me viciei. Chegava
em casa com o rosto deformado, caia pelas ruas. Devia ser Deus que fazia com
que eu chegasse vivo em casa todas as noites.
Estava enlouquecendo, andava por ruas dando gargalhadas
sombrias e assustadoras. Deixei o emprego, e pude ter mais horas para escrever.
Algo dentro de mim estava se alimentando de minha solidão.
Sentia vontade de torturas, matar as pessoas... Cada
indivíduo que passasse por mim pelas ruas, me imaginava o matando de varias
formas.
O meu dia a dia era um teste de sobrevivência,
é como está em um campo minado, rodeado de perigo, onde minha mente é um
território complicado.
Às vezes você só precisa espancar alguém, para se sentir
melhor, e foi o que eu comecei a fazer. Por meses fiquei nessa rotina
miserável.
Outros dias você precisa de alguém para conversar, escutar
você. Comecei a frequentar alguns bares da cidade. Conversava com os mais
diversos tipos de pessoas, e escolhia minhas vitimas. Minhas preferidas eram as
que viviam sempre felizes, desfrutavam de sorrisos, e almejavam uma vida ainda
melhor. Elas precisavam sentir o prazer da dor, espancava-as até sangrar pelos
olhos.
A violência é uma sede insaciável, e você tem que pratica-la
diariamente, para poder satisfazê-la.
As pessoas possuíam planos para seu futuro. E eu vivia como
se cada minuto, fosse o ultimo, vivia intensamente, e cada batida que dava na
cabeça delas, seria mais forte que a ultima, uma forma prazerosa de ser.
Minha alma gritava quando me cortava, o sangue que escorria
tentava gritar, e cada dia, o pensamento de torturar as pessoas prevalecia. Eu
era uma maquina de destruição, camuflada por um corpo inflável de sentimentos. Para
alguns aquele ato era doentio, para mim, uma forma de prazer.
Algumas vezes, ficava sentado na cobertura do apartamento e
fumava um cigarro. Em uma sexta-feira, fiquei parado e pude observar exatamente
18 aviões passarem no céu. E em todos eles desejei que caísse e destruísse um
pedaço desse mundo imundo. Chegava à conclusão que a vida é um grande lixão de
cérebros estragados.
30 de Dezembro de 1988. No ultimo dia do ano tentei não
beber e tentei mudar minha vida. Havia acordado com o pensamento diferente dos
demais dias. Queria experimentar algo novo. Logo no banho, pude notar uma coisa
diferente em minha boca, havia acabado de ter um pequeno derrame vascular
cerebral. Minha boca entortou, meu sorriso ficou como de um psicopata de filmes
americanos.
No almoço, a dependência da bebida estava ficando cada vez
mais difícil de segurar, e eu não pude aguentar. Peguei uma garrafa de wiske, e
um maço de cigarros, e fui para a cobertura do apartamento. Encontrei um pedaço
de papel amassado, e pude escrever. Sentia falta da companhia de alguém,
família, amigos.
Perdi minha família com 12 anos, se suicidaram sobre efeito
de álcool.
Tive a felicidade de encontrar uma fotografia de quando criança,
toda a família reunida na sala, em um fim de ano. Nesse momento, já meio porre,
relembrei os momentos de felicidades, que vivi com eles.
Sentir uma grande vontade de chorar, e pude dar uma bela gargalhada
irônica, lembrei-me da frase que minha avó, havia dito,” a vida nunca fará
sentido meu filho”. Lembrei-me dos momentos de adolescentes, quando pude
escrever a seguinte frase, “se um dia estiver que enlouquecer, que seja
tentando ser feliz”. Talvez eu estivesse ficado louco de fato.
Já sem saber oque fazer com a situação, comecei a beber e
beber cada vez mais.
Meu presente já não fazia mais sentido, meu presente era
vergonhoso para meu passado, já que eu nunca busquei de verdade a felicidade.
Aquele menino, com sonhos de mudar o mundo, hoje se via como
um fracassado, com sonhos não obtidos. Chorei intensamente por 10min, e percebi
que a vida não fazia sentido dali em diante. Sempre defendi a ideia de ter vários
amigos, e hoje estou sozinho, machucando as pessoas pelas ruas apenas por
prazer.
Tinha apenas um caderno manchado de vinho, e uma caneta. Arranquei-lhe uma folha amassada, tentei
escrever sobre o meu fim, sem sucesso e com minha mão sangrado com o corte que
havia feito com o copo de vidro, peguei outro cigarro, dei uma deslumbrante
tragada, e me joguei do alto do prédio.
Pude deixar as pessoas livre dali em diante, e
dei um fim na imensa podridão que habitava em mim.Autoria: Forasteiro
Wooooow....!!
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